Sem título

Tchenguita
2 min readAug 6, 2021

Procuro nos outros "o tudo é vaidade" que encontrava em ti.
Talvez por isso te ache tão raro. O teu olhar de indiferença perante o mundo era tão penetrante que me intrigava.

Hoje todos lutam por alguma causa. Têm rótulos: activistas, feministas, marxistas. Eu mesma tenho e com muito orgulho. Tu não tens e com muito orgulho também.

Não é que não te imponhas perante à injustiça. Se é algo que não és é em cima do muro.
Mas o teu olhar esnobe e decadente sobre o que há a tua volta transmite a originalidade da tua alma. Não é teatral, não é performance. Tu és tu, e neste mundo tem sido tão doloroso ser nós, que nos escapamos em outros eus inventados a partir de outros eus também falsos que precisaram ser criados para satisfazer outros eus inexistentes. Assim o ciclo se fortalece num looping interminável e inquebrável.

Mas tu... Tu ousas ser tu, e não te importas que os outros sejam eles. Aliás, a vida para ti parece ser um eterno "não me importo". És cristão, "passivo", como dizias. Fornicas, mentes, és orgulhoso mas apoias minorias negadas pela Bíblia.

Defendes o direito delas existir.
Não, não respeitas, como os outros, nem achas pecado a conformidade da personalidade de cada um. Só achas que todos têm o direito de serem o que são.

Todos os que eu encontrei são intelectuais demais ou demasiado igonarantes, nenhum tem o teu equilíbrio perfeito, o teu encanto. Existem personagens perefeitas, as construídas por Toni Morrison, ela possuía a habilidade de construir os nossos principes encantados sem nenhum traço dos contos da Disney, e tu tens sido essa personagem na minha vida. O meu Booker. Talvez seja por isso que tenho a alma em cacos. Entraste e saiste da minha vida como uma leitura intensa de dois dias, daqueles livros que não conseguimos parar de ler. Quando terminam deixam-nos um vazio existencial que tentamos preencher com outros livros.

Tenho te procurado em tantas leituras, meu Deus! Algumas até divertidas, outras bem profundas que me fizeram questionar sobre mim. Umas superficiais, para passar o tempo e não pensar tanto assim. Algumas, uma chatice, aborrecedoras – desisti da leitura de muitas logo na primeira página. Outras julguei pela capa e surpreendi-me pelo conteúdo. Mas nenhuma, nenhuma tinha a tua perfeição, uma construção fluída, com a profundidade filosófica, que me fazia sonhar e acreditar no mundo. Nenhuma me impelia a descobrir-te em cada linha, em cada paragráfo, em cada página.

Pena que neste livro eu era apenas a leitora, já tinhas a tua co-protagonista, acabada a leitura senti o maior buraco da minha vida, preencher-te tem sido tão dificil.
Que me faz questionar:
- Onde encontro alguém com uma descrença tão profunda que me faça acreditar que o mundo ainda tem nó?

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